quarta-feira, 6 de abril de 2011

Falar baixinho (o nasal do cadáver)

Comecei a falar baixinho. Falo o mais baixinho que posso. Pelo menos sempre que me lembro que me comprometi a falar baixinho. A bichanar para não ferir o ouvidinho que ficou bastante danificado desde o dia em que encheste os pulmões para festejar a eleição do novo presidente da Junta. Arruma as cornetas, os tambores e deixa-te de pum-pum-puns.

Chiu! Que ainda acordas as crianças. E sabes que a dormir são anjinhos, mas que ao acordar… Tu bem sabes!

Mau! Até aqui me vêm chatear com o falar baixinho? E o que fazer com a minha mãe que é surda? Coitada da senhora que se eu não gritar não ouve nada… Se não ouve nada é porque é surda, agora se não perceber… Falar baixinho pode ser agradável, romântico, irritante, ofensivo.

Tão irritante que berrou: Ahhhhhhhhhhh, Brrrrrrrrrr, Aiiiiiiiiii. Qual romantismo qual quê. Do que eu gosto mesmo é de berrar, uivar, ladrar… Baixinho.

Mas que vida difícil esta de cadáver. Caluda! Silêncio!

sexta-feira, 25 de março de 2011

Carpideiras (o trapézio do cadáver)



Ai meu querido, que me deixaste viva e foste morrer, logo agora que tens viagem marcada e paga. Vou ver se a troco por um bilhete para o Além… Ai meu querido, que já estavas morto e não sabias… Ai…

Mas bem sentidas as coisas, há que ver que assim mortinho já não sofres (embora desconfie que os calos nos pés eram a tua única dor de alma). Nós agora é que estamos lixados, pois temos de verter lágrimas por ti e não sei porquê elas não querem cair (estou com a profissão por um fio por tua causa, cadáver ranhoso. Cadáver ranhoso).

Ranhoso é pouco. És um reles sem mãe nem pai. O que me pagaram para te chorar nem para uma buchazinha dá. Não dou buchazinha nenhuma. Elas que se alimentem por conta própria e que afoguem as suas lágrimas sozinhas. Vão é chorar daqui a uns dias se o coelhinho subir ao poleiro! Aí sim carpirão as suas mágoas.

Foi de tal forma que as lágrimas encheram as correntes dos rios e subiram os níveis das barragens afastando por mais 100 anos o risco de seca na região. Vem aí uma praga de gafanhotos!

Ai meu querido, que te finaste e agora te vais na barriguita de um saltitão...

quinta-feira, 24 de março de 2011

RRRRRRRRRRRRRRR (o etmóide do cadáver)

Rapaziada, rosa radiosa reinará. Rosadamente regressará rumando regionalmente. Rastejando, os rebeldes revoltosos rangerão rancor reactivo. Redigiu, resmungando, o rol de recomendações e raspanetes que a Rosa referiu como reforço ao relatório.

Relatório ritualizado que foi
rasgado
a roupa respectiva. E repetindo a roda-viva ressuscitaste. Reclamei e resolvi rifar-te.

Rapidamente refeito rondei ruas e ruelas rafeiros e ri-me.
Ri-te, ri-te! Raríssimo e raro o riso.

Repara: o riso rosa raro rodeia-nos. Radiante! Resplandecente! Real! Rico! Recompensador!

quarta-feira, 23 de março de 2011

PEC (o esfenóide do cadáver)

PEC nosso que estais no Parlamento, venha a nós uma solução. Seja feita a vontade do teu povo, assim na Europa como em Portugal. Foi precisamente em Portugal, nomeadamente no Algarve e em Olhão, na Secundária Francisco Fermandes Lopes, que fica para os lados da Biblioteca Municipal, que era um antigo hospital, dizia eu, foi lá que conheci o meu primeiro PEC. Era um colega de turma do 7.º ano que era tão baixinho, tão pequenote, que o apelidaram de PEC. Esse foi o meu primeiro PEC!

Acho que deviam arranjar outra estratégia, pois cada vez temos mais PEC’s e crescimento nem vê-lo. E se experimentássemos pôr fermento? Com ele os bolos ficam XL… Deve ter o mesmo efeito no pedaço de tripa com carne, julgo eu. Ou – esperem! – não estamos a falar do Plano de Encher Chouriço? Então a que PEC é que se referem? Estou baralhada.

Referem-se, certamente, a PECado. Ou a PEC de esPECado. Ou a PEC de PECaminoso. De qualquer forma, referem-se a um plano de estupidez e de calvário.

Abaixo com os «Chuchialistas»! Rosas proibidas! É tempo de uma boa laranjada. E sabem como se faz uma boa laranjada? Espremendo muito bem as laranjas de modo a deixá-las absolutamente em frangalhos.  

segunda-feira, 21 de março de 2011

Dia Mundial da Árvore (o martelo do cadáver)

Hoje é o Dia Mundial Da Árvore. A minha árvore preferida é a genealógica porque tem ramos parecidos comigo. Claro que estou a falar da minha árvore.

Gostava de descobrir a das patacas! Segundo dizem, estava plantada junto à loja do papagaio amarelo, que todos os dias apregoava, alto e bom som, se caíam ou não patacas. Lá vem mais uma, dizia ele.

Mais uma, mais 10, mais 100, mais 1000, venham milhões para nunca faltar ar puro aos seres vivos. Ou mortos, como eu, cadáver eternamente adiado. Mas hoje é um dia especial e não quero lembrar-me de tristezas (como a vez em que perdi o olho na pesca, quando me inclinei para espreitar o peixe que mordera o isco. Demorei 48 horas a encontrá-lo. Uma dor de vista, bem vos digo). Partilho antes convosco o episódio em que me enamorei do ossinho de pé mais jeitoso do “underground”. Foi em cima de uma oliveira. Pronto, já partilhei. E só por isso (ou também por isso) concordo com o Dia Mundial da Árvore! Oh, yeah.

Espero, contudo, que os animais não amuem por não terem o seu Dia Mundial… Em especial os coelhos, meus parentes homónimos. Olha se os coelhos dão em embirrar com as árvores? Lá se vão as limas, as oliveiras, as silvas e os matinhos…

sexta-feira, 18 de março de 2011

A comissão (o palatino do cadáver)

 
Se eu soubesse o que sei hoje, tinha mas é trabalhado à comissão. Provavelmente teria arrecadado mais qualquer coisinha. Até porque tendo em conta o trabalho árduo que a velhota me tem dado, bem o mereço. Todas as noites é penico para cá, muleta para lá, dentadura em elixir e banana esmigalhada com bolacha Maria. E não reclamo, não senhor. Mas já me mandavas a merda da comissãozinha, não achas??

Estás a falar comigo? Eu não! Jamais venderia estes ossos por umas luvas: «Jamé!» Comissão só em grande, talvez um jackpot…

Seja o que for, o que vier à rede é peixe… Ou não. Há quem tenha já pescado botas, pneus, sanitas… Mas sabem o que quero dizer: a cavalo dado não se olha o dente. Bem, é melhor deixar-me de frases feitas e venha de lá o pilim.

Até porque a malta anda aflita. Cá por mim já andei a verificar as rotundas da cidade para ver a que poderá eventualmente render mais. Mais uma comissão? Só se for para mim… Isto porque, como é evidente, de comissões está o inferno cheio. Espero bem nunca integrar nenhuma. Ai, deixa-me virar para este lado do caixão…!

terça-feira, 15 de março de 2011

Carta ao Pai Natal (o cúbito do cadáver)

Caro Pai Natal,

Fui um cadáver muito bem comportado! Não te surpreendas pois com o rol de pedidos que te faço, nem com o momento escolhido para pedir: Natal é quando cada um quiser. Começo a olhar para cima e peço-te, meu velho, que me devolvas o meu antigo poiso. Onde já se viu trocar de poleiro com a criatura que lá está?!

Será o King Kong? Boa! Seja quem for, celebraremos com bons vinhos da região.

Além disso, também te quero pedir tudo a dobrar. Vê se me podes realizar esse desejo. Não deve ser difícil… Tu também vens a dobrar, não é?

É preciso é que apareças e tragas prendas boas, não é meias e cuecas! Olha, sabes o que era mesmo fixe? E até chuchu? Vestires as ceroulas com a menina das maminhas ao léu dos postais algarvios (que tanto ajudou a vender o destino fronteiras fora), pegares nas renas e no trenó e partires para o Brasil. Lá também há Sol e pelo menos não nos fazias a nós sombra com a tua pança. Fora isto, quero barbies.

Ah! E não te esqueças de deixar crescer barbas brancas e um senhor bigode, assim estás muito deslavado… Venham lá esses presentes, a malta é porreira pá!!

quinta-feira, 10 de março de 2011

O que é que o Eu tem? (a mandíbula do cadáver)

As mãos gretadas esticaram o último cigarro na direcção do corpo roliço que esperava o táxi. Os três partiram: vício, mulher e carro. Agora só podia contar com ele – chamado Eu –, sem gabardina ou galochas para a chuva.

Mas tudo isto não combinava com o meu «eu». Em vez de me proteger da chuva preferia senti-la a tocar no meu corpo, a escorrer pela face. E pela face sinto as lágrimas correrem sempre que me entristeço ou que me comovo. E comovo-me facilmente quando vejo cenas do quotidiano que me desagradam, quando oiço histórias de velhos abandonados ou desprotegidos, quando leio um livro ou assisto a um filme que me toca profundamente. O que é que eu tenho diferente dos outros? Provavelmente sou mais sensível que a maioria e protejo-me com uma capa forte.

A capa serve para o Eu se fingir de super-herói. Com este adereço, o «Super-Eu» consegue voar a velocidades impensáveis e salta de prédio em prédio na cidade. Tanto salto e tanta instabilidade provocou no meu «eu» uma pilha de nervos! Mas, como me pagam para trabalhar e não para me enervar, resolvi saltar de um prédio de 10 andares e voar de prédio em prédio na cidade.

O Eu está mais consigo do que nunca agora. Pode já não ter tomates, nem ela, nem cabelo; quer pedir boleia e nem há caracol na estrada. Mas a bem-aventurança de ser Eu num mundo de caganitas pensantes ninguém lhe tira. O que é que afinal o Eu tem? Existência.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Visita guiada ao museu da palavra (o parietal do cadáver)

No início era o verbo, que substituiu o caos. Ele nasceu para designar e construir sentido. Depois escorregou na parvoíce, perdeu o nariz e passou a respirar pela boca. Começaram a entrar partículas indesejadas de letras por esta cavidade e o ser humano transformou a comunicação em verborreia. Bem-vindos à breve história da palavra.

Queiram por favor colocar os auscultadores à prova de palavrões e os óculos para palavras efémeras. Vai começar a visita!

Estas são as palavras homógrafas. Têm a mesma grafia mas o significado é diferente. A mesma palavra pode alterar completamente o sentido de uma frase.

Como podem verificar, à nossa esquerda temos uma frase bem elucidativa. Se pensarem nela, perceberão que as palavras que a constituem por si nada ou, antes, pouco significam. Mas em conjunto têm um peso totalmente diferente.

E a propósito de peso, chamo agora a atenção para a palavra que podem ver já na vossa frente e que é a maior da língua portuguesa: anticonstitucionalissimamente. É um advérbio e descreve algo efectuado de maneira anticonstitucional. Como podem ver, tem 29 letras.

Ah, e agora vamos para o espaço mais especial do museu. Chamámos-lhe carinhosamente «Z», por ser o quarto onde as palavras dormiram durante séculos. Todas as não ditas e as escritas mas não publicadas estão aqui. Incluindo as do livro «Viagem à origem das espécies em 80 dias – da bactéria Romeu ao homo sapiens Julieta». Temos de entrar em silêncio, pois o mínimo ruído pode acordar as palavras alienígenas e as consequências seriam… Oh não! As letras fizeram sopa de humanos. E o museu fechou as portas. Ficou só a pontuação.

terça-feira, 1 de março de 2011

Declaração Universal dos Direitos do Morto (o desossado)

Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade do morto é direito inquestionável do vivo, considerando que é essencial garantir espaço na tumba para que as ossadas respirem em paz, considerando que o mundo do Além deve estar liberto dos actos de barbárie que enviaram muitos de nós de Alfa Pendular para a morte, considerando que devemos cultivar relações amistosas entre todos os seres (respirem eles ou não, tenham eles corpo ou não), considerando que os já «idos» também têm liberdades fundamentais, a Assembleia Geral proclama:

Artigo 1.º
Todo o ser que nasce tem o direito inalienável de morrer.

Artigo 2.º
Todo e qualquer morto tem o direito de levar um anti-histamínico no caixão, visando a sua protecção contra os fenos.

Artigo 3.º
O morto tem o direito de ressuscitar 3 dias após ter falecido, sob pena de se transformar em zombie e participar num filme com o Michael Jackson.

Artigo mais importante
O morto tem o direito de conviver com os anjinhos.

Artigo 45.º
E terá ainda o defunto o direito de ter jardins floridos por cima de si em vez de vermes. As minhocas conviverão em harmonia com os restos do corpo com o qual poderão brincar (mas não dar dentadinhas) e na lápide constará «viveu feliz para sempre. Até hoje».

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Animalecos (o úmero do cadáver)

Logo pela manhã, fui à casa de banho tentar lutar com a lombriga que me estava a fazer uma enorme comichão. Ela insistia em abanar o rabo, para meu desespero e incómodo. Isso devia-se ao facto de o papagaio não se calar nem por um minuto.

Os minutos passam rapidamente quando estou com o Freddy! O Freddy, como já sabem, é o cão da minha irmã. É um cocker americano com pêlos até ao chão que fazem como uma saia.

Então e quando a levantam, entusiasmados na festa, e transformam a saia num leque colorido? Eu também gostava de ter uma cauda assim, como a dos pavões. E depois abanava-me com ela nos dias abafadinhos de Verão.

Por outro lado, quando os dias ficam curtos e frios e caem os primeiros nevões, pego na minha coelhinha e pumba! Enrolo-a em volta do pescoço e finjo que é um cachecol de pêlo angorá… Tão fofinho como o pêlo de um gato persa ou bosque da Noruega.

Mas típico típico da Noruega é mesmo o bacalhau! Bem bom… Tantas receitas gostosas que se fazem com ele.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Elogio fúnebre (o estribo do cadáver)


Errar é humano. Tu nunca erraste (a não ser na hora da morte. Quem é que se vai deste mundo por comer uma embalagem de ervilhas congeladas?), por isso devo concluir que tu, Rodolfo, não eras humano. Sempre suspeitei aliás das antenas verdes que te escapavam da cabeça quando bebias café…

Ai e que saudades vamos ter, querido ET, do teu dedo indicador que acendia uma luzinha ao tocar nos nossos corações.

Este nosso amigo que tantas vezes nos ajudou deixa-nos numa grande tristeza. Será sempre lembrado como uma pessoa boa, alegre e amiga. Só é pena que naqueles dias «não» perdesse a calma com tanta facilidade e deixasse a sua marca naquilo que estivesse mais à mão. Oh, por falar em mão, as suas eram tão perfeitinhas…

Aliás, todo aquele ser era de uma perfeição extrema. Desde o rosto ossudo, ao corpo alongado, aos pés pequenos. Por isso é que os tamancos te assentavam tão mal… E olha, devo dizer-te que a corcunda também não te favorecia. Parecias um acidente geográfico. Ah, ah, ah Ainda hoje me fazes rir… Impecável, Rodolfo. Agora que estás desde lado comigo, já podemos brindar à vida da morte. A propósito, adoro o teu caixão. Traz os parafusos.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Notícia do vespertino «Corpo Morto» (o occipital do cadáver)

Uma nova espécie de caranguejo foi descoberta no Algarve. E é única no mundo, garante a investigadora Ana Sousa que quase esborrachou o exemplar com os pés quando caminhava no lodo.

«Como vê – afirmou a amêijoa – já não se pode viver descansada aqui na Ria». Segundo a amêijoa, os passeios diários daquele casal vieram retirar toda a tranquilidade aos moradores da zona.

Realmente a força das águas provocou danos irreparáveis à aldeia chamada Zona. Muitos barcos pesqueiros desapareceram e outros foram encontrados a milhas do porto.

Tantos corpos, meu Deus! Não se sabe ainda bem como é que tudo aconteceu. Pode ter sido uma explosão nos motores – esta é a explicação mais provável. No entanto, há também suspeitas de atentado. Foi nomeado um grupo de peritos para estudarem o acidente.

«A culpa é da vaca», testemunhou José Bizarro, desempregado e residente no local. «O toiro não queria, mas ela não parava de o desafiar com o rabo, como quem enxota as moscas», concluiu.

Declarações recolhidas junto de vizinhos da vítima deixam muitas dúvidas sobre a credibilidade da versão do acusado: «Já disse à PJ que estou inocente e que nessa noite fiquei em casa a comer ovos cozidos com a minha mulher», afirmou Rafael Atalaia em exclusivo ao Corpo Morto.

As investigações vão prosseguir e admite-se já o uso do polígrafo para apanhar o coxo (ou mentiroso).

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Letra para canção (o cóccix do cadáver)

Nunca mais voltaremos a ver-nos
Depois do olhar cansado
Do mundo em que nos detemos
Oh larilolé, eh, eh, eh
E viva a malta detida
Toda a bater o pé
Para ficar de bem com a vida
Tra-la/la-la-la
Tra-la/la-la-la
E ó larilolela...
Como esta não há nenhuma
Tudo canta, tudo dança
À volta da panela
Dançando à volta dela
Cantavam os rapazes
Como és formosa, como és bela
Nos momentos de «shhiu»
Em que a tua boca de montanha
Fecha a porta e a janela.

Refrão: É assim (repete 3 vezes)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Adivinha (o rabo do cadáver)

Qual é coisa, qual é ela
Que fala barato
E se põe à janela
Poderá ter dois olhos
Mas também poderá ter quatro
Quatro, cinco ou seis (que é a conta que Deus fez)
Como uma coisa que tanto anda
E nunca chega onde quer
Embora tenha pernas, use saia
E não seja mulher?


Resposta: a Carochinha, ou outra qualquer

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Tesourinho deprimente (a falange do cadáver)

Um tesourinho deprimente aproximou-se de mim com um belo guarda-chuva, tipo asiático, mas com dois buracos. E logo dois, um em cada dedão grande dos pés! Como é que isto não havia de ser deprimente? Ainda por cima tornava-se incómodo, porque os dedos saíam pelos buracos das meias e pareciam querer ganhar vida própria.

Tal como uma ideia política. Conhecem mundo mais deprimente? Cada ideia, cada tesourinho. Lança-se uma e espera-se que faça o seu caminho. Muitas vezes, o resultado é de uma profunda tristeza…

Para dotar este cenário da devida carga dramática, contratou-se uma carpideira profissional que lastimou, lastimou, lastimou até ao anoitecer. Mas lágrimas nem vê-las. Uma velhota perneta enervou-se com a deprimência e resolveu picar uma cebola directamente nos olhos da falsa sentida. Finalmente pingou água no funeral.

Bem, vá lá que foi água! E se tivesse pingado vinho? Que grande bebedeira teríamos apanhado nesse dia… E teria sido bom, porque na verdade de vez em quando precisamos de uns bons copos para pôr cá fora o que nos vai na alma.

O que me vai na alma é que o tal tesourinho deprimente afinal é uma alma penada! Penada sim, mas sem penas…

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Entrevista (as costelas do cadáver)

Entre as horas que correm dos dias, há bons momentos de descontracção. Em alguns deles aproveita para tomar banho de imersão, mas sabemos que não dispensa o seu patinho de borracha ou as bermudas do Mickey. Há quanto tempo tem este hábito?
Olhe que agora não me lembro. Talvez antes de ter recebido a visita daquele meu amigo alemão…

Quem é a seu ver o verdadeiro amigo alemão? Será uma amiga a Angela Merkel? Ou será, pelo contrário, o presidente do Bundesbank?
Ah Ich spräche nicht Deutch… Desculpe lá qualquer coisinha. Olhe, vá antes ali ao posto de turismo que eles já o atendem. E além disso são muito simpáticos.

Acha que essa simpatia é sincera?
Sempre. A sinceridade é uma virtude do ser humano. Se bem que nem sempre é feito o uso dela.

Então… é esse o seu segredo?!
Não. Esse é pouco requintado. Uma noite de Verão encontrei um sapato vermelho de salto agulha na berma da estrada. Embrenhei-me na vegetação para perceber a quem pertencia e descobri o seu marido com o outro sapato no pé esquerdo. Parece-me que o segredo afinal é seu. 

Não. Ele é dos algarvios. É um segredo cheio de segredos. Mas podia partilhar o seu?
Posso, com certeza, mas não sei se terá interesse por aí além. Depende de quem me ler… No entanto, pelo sim pelo não (e pensando melhor), prefiro não o fazer.

Sendo assim, qual é para si a alternativa? Faz o quê?
Faz de conta que governa. Acredito que pouco mais faz do que isso. Temos uns governantes e opositores que até dá pena. Abaixo a governação! Abaixo a oposição! Abaixo todos!

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A coisa (o rádio do cadáver)

A coisa nasceu com nome de coisa, por ser tudo e não ser coisa nenhuma. Quis ser sabor e viu-se morango. Quis ser cantor e viu-se Jacques Brel. Quis ser cor e viu-se azul. Mas todos os dias voltava à indefinição de si mesma… e via-se coisica. Coisa pouca, portanto. Mas não pouca coisa, pois os tempos são de definição em versão alta, que é como quem diz alta definição. Não vos assustaria enfrentar uma «coisa» em HD?

«Claro que não! – respondeu de imediato o aparelho de televisão – Eu cá sou muito moderno, não me assusto por dá cá aquela palha.» Então ficou decidido que a coisa avançaria. O tempo passou e nada. Um dia, sentado na cadeira de baloiço à porta da sua casa, e esquecido já da «coisa», surge-lhe uma visão no horizonte, mesmo no cimo do monte.

Às vezes, à distância, não conseguimos ter a certeza absoluta do que é a realidade. O nosso olhar não consegue distinguir com clareza os objectos, senão a uma distância relativamente curta. Depois tudo o resto se esfuma… E aí fica só ela. Outra vez a coisa coisica que almeja ser tudo por tudo caber nela. Mas um dia terá no BI outra identidade: será um «it» neutro à mesma, mas em inglês soará mais importante. Quem és tu? Sou a «it» portuguesa.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Sonho de uma noite de Inverno (o maxilar do cadáver)

Sonhei com um mundo quase perfeito. Não havia perdas, não havia dor, não havia infelicidade. No fundo, o cadáver até se sentia muito feliz. Fechado no caixão forrado a cetim, estava confortável e passava horas e horas a sonhar.

Acordei depois com os pés gelados, um deles a atirar para o roxo. Esfreguei-o com genica até o sangue cavalgar por ele fora e até recuperar o arzinho corado. É sempre o mindinho, o anão frágil. Foi quase uma aparição! De repente, do nada, surge aquela figura singular. Um anão de nariz pontiagudo, sobrancelhas espessas, olhar feroz, andar curvado. Como todos os anões, tinha um «não sei quê» de frágil, mas ao mesmo tempo de aterrador.

Pior do que sonhar com os nossos medos é ter medo de sonhar. E não é este o sentimento de todo um povo, recusar-se a perseguir o sonho com receio de que se torne pesadelo? É a sina lusa! Lusa ou algarvia. A sina algarvia será sonhar com coisas boas, doces… Praia, cheiro a mar, sol. Sonhos lindos; nunca pesadelos! Porque estes são sonhos com coisas más e estas não fazem parte daquele mundo quase perfeito.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Delírios (o esterno do cadáver)

Há por cá muito boa gente que deveria ser literalmente obrigada a ligar-se ao planeta Terra através de uma âncora que se amarrasse ao pescoço. Talvez assim descessem do mundo da Lua, onde passam grande parte do tempo a delirar!

Nesses momentos vejo o céu sarapintado de bolas verdes e amarelas e fico com os olhos esgazeados quando sinto o odor dos pinheiros no ar. Coisa boa de sentir é também a areia nas patas descalças: a vertigem das cócegas com a massagem é de babar e chorar por mais! E por falar em babar, lembro-me logo da baba de camelo. Sobremesa saborosa, mas só de pensar no mome que lhe atribuíram não consigo comê-la, causa-me náuseas. Esquisitices!

Não percebo bem porquê! Porque é que se há-de ser esquisito se um delírio é tão eficaz para resolver ou apaziguar os nossos desejos?

Os desejos são como chocolate branco: quanto mais se come, mais apetece comer. Os desejos que eu tenho são muito diversos: desde um homem giro até um delicioso leite condensado! Ou então chocolate branco. Ou então chocolate negro. Ou então mel com bolachas. Ou então doce com pão. Ou então pão com manteiga e açúcar. Muito açúcar. Muito doce. Ai doce de ovos! Aqueles das barricas de Aveiro. Ai, então e toucinho-do-céu... E Dom-Rodrigo. E Nestum com mel… Oh moços! Nestum com mel…

Mas lembrem-se: não há mel sem fel! Quem o diz é o povo, na sua imensa sabedoria terra-a-terra.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Espécie de poema (a tíbia do cadáver)

De joelhos
Perante o desejo
De mais um dia
De mais uma noite
De mais um sonho ausente
De gente que não nos sente
De gente que não nos quer sentir
Por só se sentirem
Inconsciência da vida
Tudo o tempo levará
Nas suas asas marotas
Que balançam cá e lá
Para voar como loucas
No lindo céu azulinho
Quase ficamos roucas
Por apanharmos tanto friozinho
Precisamos de um solzinho
Que faça das palavras soneto
E de nós
Vida.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Um conto (o fémur do cadáver)

Era uma vez um conto de réis que vivia num país de maravilhas à beira-mar plantado. Um belo dia perdeu a cabeça e resolveu fazer uma operação plástica. Cortou nos zeros, dividiu-se por 200 e mudou de nome. Agora chama-se euro. Só que anda muito aborrecido…

Mais perde! Assim terá dois trabalhos: aborrecer-se e deixar de estar aborrecido. Ou seja, tarefas em dobro. E, neste momento de crise, há que poupar-se a esforços inúteis e que não levam a lado algum. Fingir-se de morto sem se mexer. Afinal, é ou não é verdade que burro calado passa por esperto? Mais vos digo que passaria, não fossem as cenouras de conserva que ele comeu ao jantar. Ruminou umas 100 com boca destemida e as ditas aterraram-lhe no estômago que nem tijolos. Baixo a cortina da caridade sobre o resto da cena. Pobre Alfredo…

Sim, pobre Alfredo! Que mais lhe irá acontecer? Quando pensa que as coisas estão a melhorar, lá vem uma onda e deita-o abaixo. Alguém anda com duas estrelas na testa.

Testa grande, diz o povo, significa grande inteligência. Não sei se será bem assim… Aliás, existem outros ditos relacionados com o aspecto físico das pessoas e a sua respectiva compatibilidade com as personalidades. Pêlo na venta significaria pessoa com mau feitio. Nariz arrebitado quereria dizer que se é teimoso. Então, por causa da sua teimosia a senhora Merkl começou a ser impiedosa e resolveu castigá-lo.

Uma chamada ao castigo tem o seu quê de sensual e pode transformar-se numa experiência que marca… Quem não gosta? Eu gosto! Mas é melhor manter essa gaveta de recordações bem fechada a cadeado. E agora? Onde estaria o raio da chave? O Alfredo lançou as narinas no ar e farejou casa fora até sentir o primeiro odor do estranho instrumento de abrir e fechar portas. Escondida no interior da saca de feijões, a chave de três saliências, cor amarela e meio metro de comprimento ia finalmente libertar a última cenoura de conserva a tempo do jantar. Feliz Alfredo…

Grande novidade: o Alfredo encontrou a sua estrela. Finalmente boas notícias começam a acontecer-lhe. O sorriso luminoso voltou à sua face. Como é bom vê-lo feliz! Estar feliz é um estado de alma. Como seria bom que pudéssemos andar felizes diariamente. Mas sabemos que isso é impensável. Há dias em que sem razões aparentes ficamos (ou estamos) profundamente infelizes. Mas o contrário também é real. Às vezes basta acordarmos com um raio de sol ou o canto de um pássaro.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O futuro do turismo no Algarve (o ilíaco do cadáver)

O Algarve é terra de boas gentes e lindas paisagens. A segurança e a hospitalidade são o orgulho desta região! É importante dinamizar o nosso Algarve, aproveitando a crise do Egipto e da Tunísia. Até porque não se pode comparar o que não é comparável. Penso até que há indicadores irrefutáveis do forte crescimento que vem por aí.

Parafraseando o comandante Reis Ágoas, sabemos como começa mas nunca sabemos como vai terminar. Pudéssemos nós prever o futuro e tudo seria tão diferente… Ou não. Porque parece haver quem goste disto assim mesmo, incerto. Como eu. Pois qual é a melhor certeza do que saber que não se sabe o amanhã? o futuro dele é igual ao nosso: uma sucessão de imprevisibilidades. Hoje há falésia, amanhã não há falésia. Hoje há areia, amanhã não há areia. É o esconde-esconde.

Hoje em dia as crianças não ligam a estes jogos de rua mas há uns bons anos passavam horas nesta brincadeira. Uma tapava os olhos e contava até 10, enquanto outras se escondiam. Se tudo corresse bem, vinha o último e gritava: «Salva todos!» Será que este era mesmo capaz de salvar todos? Tenho as minhas dúvidas! É que na verdade «todos» era já uma multidão que em pânico ansiava por uma saída desta situação dramática.

Temos mesmo que aproveitar as oportunidades! É triste que o drama dos outros possa vir a configurar a chave de sucesso de outros… Não há dúvida que a situação que se vive no Egipto e na Tunísia é deveras dramática. A falta de segurança para os turistas é assustadora. Mas isso é o que dizem as pessoas que se assustam por tudo e por nada. Ainda ontem cheguei ao pé de um colega que estava a tirar uma fotocópia e o dito deu cá um salto!

Um salto em frente, dois passos atrás… Esta é a sina de muitos, mas não a queremos para nós. Pelo contrário, o «futuro» não pode esgotar-se numa década, mesmo que tinha sido de tirar o fôlego ou qualquer outra coisa que nos deixasse felizes. Olha os cavalos marinhos, por exemplo. E os doces de amêndoa da Cinderela também, com o doce de ovos que escorrega pelo formato de pêra abaixo. Não direi uma década, mas uma boa dezena deles. Para a goela.

Contudo, não se deve exagerar pois poderá desencadear uma reacção alérgica. De preferência deve ser ingerido a seguir às refeições. Creio que poderá causar alguma indigestão. Causará? As indigestões são comuns e acontecem frequentemente quando se viaja e se experimentam novas comidas, algumas picantes. Contudo, esse não é problema no Algarve, em que a gastronomia se baseia em pratos leves, grelhados, produtos naturais. Enfim, uma dieta verdadeiramente mediterrânica.